15 de jan. de 2014

gravata

Brilhosa era aquela gravata colorida, não como testa de adolescente, muito menos como a barriga daquele peixe que leva isca deixando o pescador desolado com a perda de uma preciosa minhoca, mas sim como o sol em seu esplendor no topo do céu, como o rio refletindo a serena lua cheia, como a luz que bate na escura pupila que já não se apresenta mais o seu tamanho normal. Seus jogos de cores contrastavam espetacularmente, sublime e inexprimível em ditos corriqueiros, aproximando-se talvez da incompatibilidade de existir um grande arco-íris preto e branco. E como as grandes coisas e verdades do mundo, a gravata era um elemento dúbio único. Há aqueles a quem ela fazia sorrir, há aqueles que choravam ao contempla-la, como também quem embasbacava-se e prostrava-se inconformado sem entender coisa alguma. Não que a gravata entendesse coisa alguma do que estava se sucedendo durante sua perplexa existência , afinal, era apenas uma gravata, de um pano qualquer, e sendo de pano não tinha muitas afinidades com o pensar. É claro que essa conclusão pode ser precipitada, teórica e científica demais, pois muitos já a viram com um olhar meio atravessado, pensativo e profundo demais pra um ser sem lógica alguma. Provavelmente teoria de afeitos do Monteiro lobato. Inegável é o fato de essa dessemelhante gravata tinha um instinto. Um instinto animal, como o urso polar tem ao pular de uma superfície de gelo para outra, ouvindo a que ele se encontrava estalar, porém aplicada à uma gravata. O instinto animal de um pedaço de pano. Diziam os invejosos (e os garbosos também) que ela escolhia a quem ia se pendurar. Conto que causou a ira de religiosos de uma cidade do interior de nome F..., quando a gravata, em uma passagem pela hospitaleira e pacata cidade, resolveu se pendurar dois meses no pescoço de um macaco. Pior era quem acreditava ter o poder de controlar o estranho poder magnético da gravata, grandes burgueses transformavam-se em mendigos, a viver pelas ruas esmolando comida e cachaça. Tais desafortunados jogavam então a gravata para longe de si, culpando-a de seus infortúnios. Ela então, afeiçoava-se a outro mendigo qualquer, e logo esse marginalizado ser pulava vários degraus da escala social, passando a desfrutar do conforto do topo da pirâmide social. Isso deixava os estudiosos cabreiros e causava grandes enternecimentos na parte da sociedade que tem tempo hábil para gastar divagando sobre os gostos da gravata mais singela do mundo. Porém, há muito tempo que não se tem mais notícia dela, uns dizem que é porque as grandes corporações querem que não conheçamos mais a gravata, outros notam que a mídia daqui há muito não fala uma palavra sobre esse incrível poder. Talvez por que os ditos poderosos usam sempre uma cópia barata, sem alma nem cor, pendurada em seus pescoços porcinos. Outros dizem que ela apenas se cansou de toda essa conturbada vida que levava na sociedade e hoje pendura-se nos pescoços de indígenas da selva amazônica, de pescadores de ilhas paradisíacas da Oceania, até de golfinhos que vivem em praias desertas da África. Tudo pode ser apenas suposições de vãs cabeças que pensam demais, pois no fim, todos sabem e acreditam que a gravata retornará para estarrecer os corações ao redor do mundo. Mesmo que os que  não saibam, mesmo os que não acreditam.

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